Os preços dos combustíveis nunca estiveram tão caros no Brasil. Gasolina, diesel e botijão de gás vêm batendo sucessivos recordes, mesmo considerando a correção de valores antigos pela inflação, desde o fim do segundo trimestre.
A escalada do preço nas bombas reflete aumentos promovidos pela Petrobras nos preços de suas refinarias. Apenas em 2021, a estatal já elevou a gasolina em 51%. Diesel e gás de cozinha subiram 38%.
Segundo especialistas, as altas refletem a recuperação das cotações internacionais do petróleo depois de terem derretido no início da pandemia, com forte auxílio do dólar, que desde o início da pandemia ficou abaixo de R$ 5 apenas por sete dias, em junho último.
Apenas em 2021, a cotação do petróleo Brent, referência internacional de preços negociada em Londres, subiu 36,5%.
Já o dólar se mantém mais estável, com alta de 1%, destaca o presidente da Abicom (Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis), Sérgio Araújo.
Petróleo e dólar são elementos básicos na política de preços dos combustíveis da Petrobras, que simula quanto custaria a venda no Brasil de combustíveis importados dos Estados Unidos, um conceito conhecido como paridade de importação.
Nessa conta entram também os custos de transporte e desembarque dos combustíveis no Brasil e a margem de lucro que a estatal teria na venda dos produtos importados.
Com base nesses indicadores, e de olho nas importações por concorrentes, a área técnica da estatal decide por mexer ou não nos preços.
Essa política foi formalizada na administração de Pedro Parente, durante o governo Michel Temer, e vem sendo mantida no governo Jair Bolsonaro com algumas pequenas variações na frequência dos reajustes – a gestão do general Joaquim Silva e Luna tem respeitado prazos maiores do que a anterior.
O preço da Petrobras representa apenas uma parcela do preço final, que tem ainda impostos federais e estaduais, margens de lucro de distribuidoras e revendedores e, no caso da gasolina e do diesel, a parcela relativa à adição de etanol e biodiesel.
Atualmente, a participação da estatal representa 33,6% do preço final da gasolina, produto que tem maior incidência de impostos. No diesel, a empresa fica com 52,4% e no botijão de gás, com 48,2%.
Embora o presidente Jair Bolsonaro tente culpar governadores e outros elos da cadeia de distribuição pela escalada dos preços, a comparação entre os preços atuais e aqueles vigentes na última semana antes de seu mandato iniciar mostram que a maior pressão veio mesmo da parcela dos combustíveis.
No caso da gasolina, as maiores pressões foram exercidas pela própria gasolina (pura) e pelo etanol anidro, que é misturado ao produto final, que hoje pesam bem mais no preço final do que antes do início do governo. Impostos estaduais e margens perderam participação no período.
O quadro é semelhante quando se analisa os números do diesel, também pressionado pelo biodiesel, e do gás de cozinha. Em ambos os casos, a Petrobras passou a representar uma parcela maior na composição dos preços finais e as margens caíram. A parcela do ICMS ficou praticamente estável nos dois casos.
Isso não quer dizer que não houve aumento no valor pago de ICMS em cada litro. O imposto é calculado sobre um percentual do preço final de bomba e, portanto, acompanha as variações desse preço. A cada 15 dias, os estados definem um valor de referência, com base em pesquisas nos postos, para cobrar o imposto.
O modelo de cobrança é criticado pelo governo e pelo próprio mercado de combustíveis, por retroalimentar a alta nos postos: quando o preço de bomba sobe, o governo estadual aumenta o valor de referência, gerando outro reajuste no preço de bomba.
Mas, ainda assim, esse movimento só ocorre após aumentos nas refinarias, que vêm seguindo em 2021 a recuperação das cotações internacionais.
“Tudo, absolutamente tudo, é em função dos preços internacionais das commodities”, diz o consultor Dietmar Schupp. “A gasolina e o diesel; o etanol em função dos preços da gasolina e do açúcar; e o biodiesel em função do preço do diesel e da soja.”
“Vivemos um cenário de aquecimento e retomada da economia asiática, seguida pelos Estados Unidos”, diz o presidente do Sindigás (Sindicato das Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo), Sérgio Bandeira de Mello. “Vale para soja, milho, petróleo, propano [o gás de cozinha], que a China usa em sua indústria petroquímica.”
A cotação do petróleo, porém, já esteve bem mais alta do que a atual. Em 2018, chegou a bater os US$ 150 por barril, mais do que o dobro das cotações atuais, em torno dos US$ 70. Mas no fim daquele ano o litro de gasolina girava em torno de R$ 5, em valores corrigidos pela inflação.
Parte dessa diferença de quase R$ 1 em relação ao preço atual é explicada pela desvalorização do real. Foi a moeda que mais se desvalorizou frente ao dólar após o início da pandemia, como resposta à queda na taxa de juros e ao aumento da percepção de risco por parte dos investidores.
Diante dos efeitos da escalada inflacionária sobre sua popularidade, Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobras, zerou os impostos federais sobre o gás de cozinha e suspendeu por dois meses os mesmos impostos sobre o diesel.
Em outro movimento nesse sentido, editou medida provisória liberando a venda direta de etanol entre usinas e postos e autorizou postos a venderem combustíveis de outras marcas, alegando que a competição pode forçar os preços para baixo.
Nenhuma das medidas, porém, surtiu efeito: o novo presidente da estatal prometeu respeito à política de preços e o desconto da carga tributária acabou sendo engolido pela alta de outros componentes do preço. Para o mercado, a liberação de restrições à venda de etanol e gasolina também terá efeito limitado.
E, embora os preços das commodities tenham cedido um pouco em agosto, a expectativa do mercado é que o petróleo volte a subir, operando em um patamar entre US$ 70 e US$ 80 por barril. O banco UBS, por exemplo, vê um “aperto estrutural” com a retomada do consumo sem aumento da produção e mira US$ 75.
Fonte: Folha Press