Uma pesquisa sobre o trabalho dos professores da rede pública durante a pandemia, a qual o G1 teve acesso, aponta que 89% não tinha experiência anterior à pandemia para dar aulas remotas – e 42% dos entrevistados afirmam que seguem sem treinamento, aprendendo tudo por conta própria. Para 21%, é difícil ou muito difícil lidar com tecnologias digitais.
Os resultados mostram a dificuldade dos professores em lidar com a nova realidade, e o esforço pessoal para transmitir a aprendizagem aos estudantes durante a emergência de saúde provocada pelo coronavírus.
“Somos analfabetos digitais”, afirma Katia Araújo, professora da rede municipal de Campo Grande (MS). “Você só percebe que não sabe quando precisa usar a ferramenta”, relata ao G1.
A pesquisa “Trabalho Docente em Tempos de Pandemia”, foi feita pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Os dados foram coletados entre 8 e 30 de junho, com 15.654 docentes de todo o Brasil, da educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos.
Os dados mostram que:
- 82% dos professores estão dando aulas dentro de casa
- 82% dos docentes disseram que as horas de trabalho aumentaram
- 84% dos professores afirmam que o envolvimento dos alunos diminuiu um pouco ou diminuiu drasticamente durante a pandemia.
- 80% dos entrevistados afirmam que a principal dificuldade dos estudantes é a falta de acesso à internet e computadores; seguida pela dificuldade das famílias em apoiar os estudantes (74%); a falta de motivação dos alunos (53%) e o desconhecimento dos alunos em usar recursos tecnológicos (38%).
- O estado emocional dos professores também está sendo colocado à prova: 69% declararam ter medo e insegurança por não saber como será o retorno à normalidade e 50% declaram ter medo em relação ao futuro
“Todos nós fomos surpreendidos pela pandemia, mas os dados refletem a precariedade da oferta da educação básica do Brasil. Na urgência de responder ao direito à educação dos estudantes, o mínimo que as redes poderiam fazer é fornecer essa formação aos docentes”, analisa.
Didática adaptada
As aulas a distância estão longe de serem aulas presenciais gravadas, de acordo com professores ouvidos pelo G1.
“Sem olho no olho, e sem lousa, é muito difícil explicar”, afirma Karina Batelli, professora da rede municipal de São Paulo, que tem alunos de 10 a 12 anos do ensino fundamental.
“A didática é diferente no ensino remoto em comparação com a presencial. Na escola tem a troca, você faz uma pergunta, eles retornam, e a gente faz um conjunto. Agora, sou eu falando, é uma aula gravada – eu coloco no YouTube, mando o link pela plataforma, eles assistem e enviam as dúvidas. Tivemos que aprender a filmar uma vídeo aula. E os alunos tiveram que aprender a ouvir os professores, porque não é o Felipe Neto com todo aquele jeito de falar que os alunos estão acostumados. É uma matéria que eles precisam entender para fazer exercício”, afirma Karina.
As aulas, que geralmente eram de 50 minutos, precisam ser resumidas em vídeos de no máximo 30 minutos, de acordo com Karina. “É difícil captar a atenção da criança, fazer ela seguir as instruções sem você estar lá, do lado. A criança se dispersa por natureza. Se já é assim na escola, imagina em casa”, relata.
Tutorial para ajudar colegas
Bruno Felix, professor da rede estadual do Ceará, durante a preparação para as aulas remotas. — Foto: Arquivo Pessoal
O professor Bruno Felix, da rede estadual do Ceará, conta que ele mesmo preparou vídeos tutoriais com o passo a passo do uso das plataformas, e distribuiu para professores e alunos.
“Sou familiarizado com a tecnologia. Então, estamos nos ajudando. Eu faço os tutoriais e mando nos grupos de WhatsApp para colegas e estudantes”, afirma.
“A gente pensa que os alunos, por serem jovens, sabem usar as tecnologias, mas os adolescentes só estão nas redes sociais, não sabem usar a internet”, relata Felix, que dá aulas para todos os anos do ensino médio, e também para jovens e adultos.
Aumento da jornada de trabalho
Se, antes, os professores davam aulas durante um período letivo, agora precisam estar disponíveis para tirar dúvidas dos alunos o dia todo.
“É ruim à distância? Sim. É complicado, é cansativo. Hoje trabalho de manhã, à tarde, e à noite. Antes, eu entrava às 13h e saia às 17h10. Agora não, entro às 7h e fico até enquanto tiver alguém falando. Não tenho como não fazer isso, cada um tem um horário”, afirma Katia Araújo, da rede municipal de Campo Grande (MS).
Fonte: G1