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O acesso aos tratamentos adequados de saúde em casos de infecção pela Covid-19 enfrenta outra dificuldade atual. Após a superlotação de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) — que registra, nesta semana, 25 das 27 unidades da federação em estado crítico e longas filas de espera por leitos —, o Brasil enfrenta também o cenário de falta de medicamentos nas unidades de saúde.

É o que afirma um documento do Fórum Nacional de Governadores, enviado ao presidente da República Jair Bolsonaro. O fórum informa que “ao menos 11 medicamentos estão em falta ou em baixa cobertura em mais de dez estados”, de acordo com dados da primeira quinzena deste mês de março.

A preocupação vem de diferentes entidades e é cada vez maior. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) também publicaram uma nota conjunta, em 23 de março, citando o “aumento abrupto” do consumo de medicamentos do chamado kit intubação e o “cenário de dificuldades na reposição de estoque” dessas drogas “na maioria dos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (EAS) do país”.

Os medicamentos utilizados nas intubações de pacientes contaminados com o novo coronavírus são os principais objetos de alerta. Sedativos, analgésicos e bloqueadores neuromusculares, necessários para a manutenção de ventilação mecânica e permanência em UTIs, sofrem de uma alta demanda devido ao cenário de quadros clínicos graves nesta segunda onda da pandemia, como explica o médico Luciano Lourenço, do Hospital Santa Lúcia.

“Essas são medicações necessárias não só no momento da intubação, mas também na manutenção da sedação do paciente. Quando temos um paciente que precisa de ventilação mecânica para a gente recuperar o pulmão, temos um consumo alto da classe de medicamentos sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares. A demanda cresceu pela quantidade de pacientes graves. As UTIs estão cheias. Esse momento é crítico e cada um tem que fazer tudo o que for possível para evitar a disseminação do vírus.”

Dados da plataforma LocalizaSUS sobre as fases de distribuição e entrega de medicamentos hospitalares mostram uma queda brusca após agosto de 2020, mas a tendência de aumento de entregas de medicações neste ano de 2021, como é possível verificar no gráfico acima. A plataforma detalha ainda as drogas mais distribuídas. Fentanila, Propofol e Atracúrio, utilizadas principalmente para sedação, são as mais compradas pelo governo.

O Ministério da Saúde afirma que acompanha semanalmente a disponibilidade dos medicamentos de intubação orotraqueal (IOT) em todo o Brasil e envia informações da indústria e distribuidores para que os estados possam realizar as aquisições. “Além disso, toda semana a pasta recebe do Conass e do Conasems informações do Consumo Médio Mensal dos medicamentos por estados e municípios. O ministério também recebe dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a produção e venda dos fabricantes no país”, informa.

Cenário imprevisível

Paulo Maia, presidente executivo da Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especializados, Excepcionais e Hospitalares (Abradimex), afirma que a quantidade de pacientes que precisam dessas substâncias atingiu um “volume inimaginável”. Para ele, esse “não é um problema do governo ou da indústria”, mas uma consequência de vários fatores da pandemia.

“A falta dos medicamentos tem se dado por uma questão de volume de pedidos que têm ocorrido nesses últimos 15 dias, que realmente sobressalta, mesmo no cenário da pandemia. De 15 dias para cá, o volume de solicitação de aquisição desses produtos ultrapassaram cenários inimagináveis para a gente, em uma proporção muito grande”, diz.

Em agosto de 2020, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) recomendou que diferentes órgãos desenvolvessem ações e monitorassem a compra e distribuição de medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS), “devido ao desabastecimento causado pela pandemia”, alertando que “o planejamento para aquisição dos medicamentos do chamado ‘kit intubação’, foi consumido em 90 dias, com a chegada da pandemia.”

Paulo avalia, porém, que qualquer planejamento prévio seria prejudicado com essa realidade atual. “Temos um cenário não muito favorável. Me parece uma indicação de que a gente precisa rever o comportamento social que está levando a esse tipo de patologia”. Ele exemplifica o caso do medicamento Atracúrio, utilizado em intubação. “A gente tinha uma demanda semanal de 400 pedidos por unidade, e hoje o volume é de 12 mil unidades, semanal.”

Na capital do país, a plataforma InfoSaúde, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, mostra que só há estoque do Atracúrio para mais 17 dias. O site também mostra que cinco drogas estão sem nenhum estoque para dia posterior, enquanto três já acabaram.

Em nota, a Secretaria de Saúde esclareceu que “os medicamentos que estão com estoque reduzido ou sem estoque possuem processo de aquisição em andamento”, e ressaltou que eles “podem ser substituídos por outros com a mesma finalidade e que apresentam estoque regular”.

Aumento preocupante

O médico Lucas Vargas, coordenador da Clínica Médica do Hospital Santa Lúcia Norte, lembra que o cenário de não ter medicamentos não acontece hoje em muitos hospitais privados, mas há um alerta em todas as unidades de saúde, devido ao acompanhamento dos números da pandemia.

“Ainda não tivemos falta dessas medicações, mas temos receio, caso a gente não consiga conter o aumento dos casos, de enfrentar um racionamento, uma falta, dificuldade no uso dessas medicações e materiais, que são tão importantes para assistência aos doentes”, pontua.

Estatísticas do site Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford, mostram que o Brasil é o país com mais mortes diárias por Covid-19 no mundo há duas semanas. Entre segunda-feira (22) e terça-feira (23), 3.251 vidas foram perdidas na pandemia nacional, um novo recorde em 24 horas, com dados do Ministério da Saúde.

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