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Em uma de suas postagens mais recentes no twitter, o senador Marcos do Val se disse subestimado pelo campo político do presidente Lula. Ele se autodescreve como especialista em “inteligência”.

Afirmou que a visita do presidente Lula a Araraquara, no dia da tentativa de golpe, 8 de janeiro, foi uma “fuga” improvisada. Na verdade, Lula deixou Brasília em direção a São Paulo no dia 6. No sábado, 7, sua assessoria já divulgava que Lula faria uma visita à cidade do interior de São Paulo vitimada por enchentes.

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Do Val usou este argumento para acusar o presidente Lula, o ministro da Justiça, Flávio Dino, o ministro do STF Alexandre de Moraes e o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Gonçalves Dias, de terem prevaricado.

Na versão de Do Val, os quatro teriam tido acesso às informações de um grupo de WhatsApp onde foram feitos alertas sobre a possibilidade de violência em Brasília no dia 8 de janeiro.

Sem apresentar provas, o senador do Espírito Santo disse que no sábado, dia 7, Lula teria dito que era para deixar a tentativa de golpe acontecer, com o objetivo de tirar proveito político.

Mentiras do senador

O senador Marcos do Val não é uma testemunha confiável. Como uma série de reportagens da Revista Fórum já demonstrou, ele falsificou seu currículo.

Apesar de ter dito ao menos quatro vezes que era policial e teria atuado nesta condição nos Estados Unidos, a partir do ano 2000, Marcos do Val nunca foi policial. Nem no Brasil, nem fora.

Também nunca foi mestre em aikidô, uma arte marcial, segundo informou à Fórum a Federação Internacional do esporte, baseada em Tóquio, no Japão.

O Vaticano também negou que Do Val tenha treinado seguranças do papa João Paulo II, alvo de tentativa de assassinato, “informação” que Do Val usou em anúncios de sua campanha ao Senado, em 2018.

Formalmente, Do Val sequer foi “instrutor da SWAT”, menos ainda “sênior”, como continua propagando em suas redes sociais.

SWAT é um termo genérico, que se aplica a unidades com treinamento especial de várias cidades e condados dos Estados Unidos. Do Val usa o broche da SWAT no Brasil por ter conseguido registrar a marca como sua no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Apadrinhado pelo chefe da SWAT de uma pequena cidade do Texas, Beaumont, de 100 mil habitantes, Marcos do Val recebeu o título de “membro honorário” da unidade.

Na verdade, ele e o homem que o apadrinhou atuaram juntos para vender cursos de treinamento policial nos Estados Unidos, alguns ao preço de 2 mil dólares, sem incluir o valor do visto, das passagens e da hospedagem.

A polícia de Houston, no Texas, confirmou à Fórum que jamais teve negócios formais com a empresa que Marcos do Val fundou no Brasil.

O brasileiro contratava como free lancers integrantes da SWAT de Houston e do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro para dar cursos dentro e fora do Brasil nas horas vagas.

Apesar de Do Val nunca ter cursado uma academia de polícia, o Centro Avançado de Táticas de Imobilização, criado no Espírito Santo, conseguiu emplacar seu fundador em programas de TV de alcance nacional nas TVs Globo, Record e SBT — inclusive nos programas de Jô Soares, Ana Maria Braga e no Fantástico.

Do Val teria produzido “técnicas de imobilização” revolucionárias que jamais foram adotadas pelas melhores polícias do mundo, inclusive a de Houston, já que colocam em risco a vida dos detidos.

Quando passou a ser questionado por um grupo de militares, ex-militares, policiais e ex-policiais que se organizaram no Facebook sob o nome de Stolen Value Brasil, Do Val finalmente admitiu em suas próprias redes sociais que jamais foi policial. Nem no Brasil, nem nos Estados Unidos.

Marqueteiro e “espião improvisado”

Fundador de uma empresa de segurança no Espírito Santo, Marcos do Val é especialista em marketing. Depois de se vender publicamente como “instrutor”, apesar de nunca ter passado por uma academia de polícia, ele se tornou comentarista de segurança da TV Gazeta, afiliada da TV Globo em Vitória, no Espírito Santo.

Foi nesta condição que, nas Jornadas de Junho de 2013, Marcos do Val emplacou um contrato de R$ 580 mil para atuar como uma espécie de espião da concessionária Rodovia do Sol, que temia ataques populares a suas praças de pedágio durante as manifestações.

O contrato foi questionado pelo procurador Heron Carlos Gomes de Oliveira, do Ministério Público de Contas do Espírito Santo.

Em uma representação ao relator do caso, conselheiro Domingos Augusto Tafner, Heron sustentou que havia indícios de que alguns dos contratos celebrados pela concessionária tinham “indicativos de terem sido celebrados de forma fictícia, insólita e utilizados para fins ilícitos”.

Heron deu como exemplo principal a contratação da empresa Marcos R do Val ME, para prestar serviço de “consultoria contra ações de vândalos e planejamento operacional de segurança” à concessionária Rodovia do Sol na praça do pedágio da Terceira Ponte.

O questionamento do procurador é de que a concessionária não poderia ter efetuado tais gastos reembolsáveis, por ter sido “constituída com o propósito específico e exclusivo de administrar concessão rodoviária sob fiscalização de órgãos e autarquias estaduais”.

O procurador, baseado em notícias da imprensa local, diz que Marcos do Val, descrito como “instrutor da Polícia Civil e consultor de segurança da Rede Gazeta”, teria se infiltrado “entre os ‘vândalos’ para filmar as depredações da fachada do Tribunal de Justiça” do Espírito Santo.

Por conta disso, teria sido contratado pela concessionária a partir de 24 de junho de 2013. Naquela mesma data, de acordo com o documento do Ministério Público de Contas, a Corregedoria da Polícia Militar flagrou 16 policiais militares sem farda atuando na praça de pedágio em horário de folga.

O procurador usou ‘vândalos’ entre parênteses por um motivo. No documento, ele se pergunta se o Grupo Especial de Trabalho em Execução Penal (Getep) e o Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) teriam identificado indícios de que a Concessionária Rodovia do Sol teria destinado “recursos provenientes da arrecadação tarifária” para a contratação de vândalos, com o objetivo de provocar “a criminalização das manifestações populares”.

O procurador buscava saber quem foram os destinatários finais dos R$ 580 mil pagos a Marcos do Val. A dúvida nasceu do fato de que um agente penitenciário com ligações com o crime organizado foi identificado entre os “vândalos”.

Esclarecimentos

A Revista Fórum pediu esclarecimentos ao procurador e ao Ministério Público de Contas do Espírito Santo sobre as consequências da representação, datada de 20 de novembro de 2017. Porém, ainda não obteve resposta.

Em Huntsville, Alabama, o militar da reserva Lincoln Batista, que serviu ao Exército dos Estados Unidos no Afeganistão, continua à espera de ser processado por Marcos do Val naquele país. Lincoln faz parte do grupo que acusa publicamente Do Val de ter se passado por policial nos Estados Unidos.

Por isso batizou seu grupo no Facebook de ‘Stolen Value’, o nome de uma lei sancionada nos Estados Unidos pelo ex-presidente George W. Bush que pune quem usa condecorações de forma indevida.

Um dos integrantes do grupo, policial da ativa, chegou a pedir a um juiz de Galveston, no Texas, por petição eletrônica, que mandasse prender Marcos do Val por se fazer passar por policial, usando indevidamente uniformes, escudos e portando armas.

Um dia depois de o pedido dar entrada, com depoimento de três pessoas que disseram ter ouvido do próprio Do Val que ele era policial, o furacão Harvey devastou Galveston, inundando a sede do tribunal.

Fonte: Revista Fórum

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