O Senado aprovou nesta quarta-feira (29) o projeto que exige comprovação da intenção de lesar a administração pública para que seja configurado o crime de improbidade administrativa.
Apesar das mudanças, o texto que recebeu o aval do Senado mantém a essência do que foi construído pelos deputados. Ele prevê que a improbidade só será considerada quando ficar “comprovado o fim de obter um proveito ou benefício indevido para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade”.
Pela lei atual, o gestor pode ser punido por ato culposo, sem intenção, mas que prejudique a administração pública.
Além de exigir a comprovação de conduta dolosa para caracterizar ato de improbidade, a proposta estabelece que o Ministério Público terá exclusividade para a apresentação dessas ações.
Hoje órgãos como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias dos municípios também podem ser autores desse tipo de processo.
Para facilitar a aprovação do projeto, o senador Weverton (PSD-MA) apresentou um relatório com mudanças pontuais, que agradaram principalmente a parlamentares do Podemos.
Entre outras mudanças, foi incluida ressalva quanto à possibilidade de configuração de nepotismo, deixando claro que não se configurará improbidade “a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente”.
Além disso, Weverton aumentou de 120 dias para um ano o prazo para que o Ministério Público se manifeste sobre a continuidade dos processos após a sanção da lei.
Já o limite de tempo do inquérito foi ampliado para um ano, prorrogável por mais um. A versão da Câmara estabelecia o prazo de 180 dias para os processos terminarem.
O texto aprovado na CCJ pela manhã havia excluído a necessidade de comprovação de dolo específico para se caracterizar improbidade nos casos de descumprimento da Lei de Acesso à Informação. Porém, durante a votação no plenário, o PSD e o MDB apresentaram uma emenda e conseguiram derrubar a mudança.
Ainda de acordo com o projeto, quem for condenado por improbidade poderá perder a função pública, ter os direitos políticos suspensos por até 14 anos ou pagar multa. A perda de função pública atingirá apenas o vínculo de mesma natureza que o agente ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração.
Ou seja, um político que cometeu improbidade quando era vereador não será punido com a perda do cargo caso seja eleito prefeito.
Senadores reclamaram, porém, da manutenção de um artigo que prevê que o prazo para ingresso da ação contra atos de improbidade prescreve em oito anos, contados a partir da ocorrência do fato.
A lei em vigor estabelece que as ações de improbidade podem ser apresentadas em até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança ou até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final dos órgãos públicos.
Para parlamentares como Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a medida beneficiará o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
“O artigo 23, que diminui o prazo prescricional, foi pedido por encomenda. É para beneficiar Arthur Lira, foi feito para ele”, reclamou Randolfe.
O relator minimizou essas críticas. “Em momento algum eu vou fulanizar, individualizar o que nós estamos tratando. Até porque nós temos que discutir os fatos, não as pessoas. As pessoas, no meu ponto de vista, vão ser consequências”, ponderou.
O projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa foi apresentado em 2018 pelo deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) e tramitava em uma comissão especial, onde foi discutido por juristas, advogados, especialistas e deputados.
O presidente da Câmara, Arhtur Lira (PP-AL), porém, decidiu retirar o projeto da comissão especial e levar a votação diretamente ao plenário. Lira já foi condenado em duas ações por improbidade administrativa na Justiça de Alagoas e pode se beneficiar de eventuais alterações nas regras de punição.
A lei foi promulgada em 1992 em meio às denúncias de corrupção no governo de Fernando Collor (1990-1992), com o objetivo de penalizar na área cível agentes públicos envolvidos em desvios.
Hoje, porém, até integrantes do Ministério Público, principal autor de ações desse tipo, defendem mudanças nessa legislação.
O principal problema apontado pelos críticos é que as regras atuais deixam uma ampla margem de interpretação sobre o que é um ato de improbidade.
Nesta semana, um grupo de juristas assinou um manifesto a favor da proposta. No documento, eles afirmam que a nova lei “amplia e direciona o combate da corrupção para as situações em que existam danos reais, sem presunções ou acusações ficcionais em tese”.
“Acredito que a lei vai estar bem mais ajustada, os prefeitos e os bons gestores e as pessoas de bem vão ter mais segurança para entrar na vida pública, para concorrer a uma vaga, um cargo no Executivo. A gente vai separar os gestores que erram tecnicamente, mas sem vontade, sem lesão de lesar o patrimônio, dos que comentem o ato de improbidade, que é o ato de corrupção”, defendeu Weverton.
Por outro lado, especialistas contrários às mudanças afirmam que elas enfraquecem o combate à corrupção, pois elas acabariam com a responsabilização de medidas equivocadas adotadas por agentes públicos.
O QUE PODE MUDAR NA LEI DE IMPROBIDADE
Descrição dos atos de improbidade
Como está hoje
O texto da lei é genérico sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação
O que pode mudar
O projeto de lei traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevê que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergência interpretativa da lei
Forma culposa de improbidade
Como está hoje
A lei estabelece que atos culposos, em que houve imprudência, negligência ou imperícia podem ser objeto de punição
O que pode mudar
Proposta deixa na lei apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração). Medida deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à Justiça provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei
Titular da ação
Como está hoje
O Ministério Público e outros órgão públicos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias municipais podem apresentar as ações de improbidade à Justiça
O que pode mudar
O Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações segundo a proposta aprovada no Senado
Fonte: Folha press